Pivete, piveta, se ligue nessa
resenha que tá barril.
O filme Olhos que condenam tá passando na Netflix e ao longo dos 4 episódios
faz a gente sentir raiva, dor, angústia, revolta... Muita coisa que mexe com a
gente da favela, com nossas emoções.
Principalmente porque os
personagens principais são jovens negros. Bom seria se não fossem os réus e se
não fosse uma série documental. É sim, aconteceu de verdade, como acontece
sempre nas quebradas aqui do Brasil, o Estado acusando, julgando, condenando e
exterminando jovens negros.
Tudo começou na primavera de 1989, no Harlem, Nova York, Estados Unidos. Cinco garotos negros são levados pela polícia, interrogados e coagidos a confessar estupro contra uma mulher no Central Park. Em 1990 foram condenados por sete anos e um deles, Wise, que já tinha 16 anos, foi condenado a uma pena de adulto e só saiu da prisão treze anos depois, em 2012, quando o verdadeiro autor do crime, que havia cometido outros estupros na mesma época, confessou. Os mesmos detetives que cuidaram do caso da corredora do Central Park, Trisha Meili, que em 2013 escreveu um livro e revelou seu nome, estavam encarregados do caso dos meninos do Central Park. Pelo certo, eram meninos, não eram homens adultos. E os policiais nem se deram ao trabalho de considerar que um estuprador e não meninos, seria o principal suspeito de um crime de estupro.
Este filme é batendo tudo e não
bate certo quando a gente chora a dor do irmão de um jeito que parece que
aconteceu com a gente. É quando a gente reconhece quem são os nossos e de que
lado estão. Sarah Burns, que tinha seis anos quando os jovens tiveram suas
vidas atravessadas de forma brutal e irreversível pelo racismo norte americano,
resolveu mergulhar na história e escrever um livro, seguido de um documentário
que conta a versão dos jovens e não da polícia cruel e da sociedade racista que
os condenou. O bilionário e atual presidente dos EUA, Donald Trump, na época
pagou anúncios de página inteira de jornais, pedindo a volta da pena de morte
no estado de Nova York. Se a pena de morte fosse legal, os jovens não teriam ao
menos a chance de contar sua história, mais uma vez na história.
Os Personagens são Antron McCray, Korey Wise, Kevin Richardson, Raymond Santana, Yusef Salaam.
Korey Wise, ao ver seu amigo Yusef ser levado, resolve o acompanhar, dizendo “sua mãe me mata se eu não for”. Uma das coisas que mexe muito comigo nessa série é que Korey, na minha visão, o que mais sofreu na prisão, só foi lá pra cuidar do irmão da rua e foi o que mais sofreu e ficou abandonado. O cara estava junto com o amigo. O policial ainda instigou ele para ir junto. Só saiu de lá treze anos depois, bota fé?!
Durante as trinta horas de
interrogatório, sem dormir e se alimentar, cada um deles foi coagido a narrar
uma história de que viu o colega estuprando a moça. Na noite do acontecimento,
quando os jovens se reuniram para se divertir e trolar outras pessoas, longe do
local do crime, o mesmo Korey Wise estava comendo batatas fritas com a
pretinha, quando seu amigo Yusef o chamou, insistindo para que fosse ao
encontro com a galera. Korey se despediu dela dizendo, "dez minutos”, “é
rapidinho".
Os policiais se aproveitaram da ignorância
da garotada e de seus familiares, da falta de conhecimento, de suas condições socais.
Por isso o mínimo é saber ler e conhecer os seus direitos, o MÍNIMO – que não
garante - pra essas coisas não acontecerem com a gente.
No julgamento, as palavras de
confissão advindas de muita tortura mental, física e social foram jogadas
contra os garotos, num terrível ato de crueldade. Uma investigação da qual a
cor da pele foi fator decisivo para serem suspeitos de um estupro, a linha do
tempo do crime fora mudada diversas vezes na tentativa de coincidir a rota da
garotada com a da corredora.
Num dos momentos marcantes, os
garotos estão todos em uma sala onde se conhecem e dizem que mentiu sobre o
outro. Um dos jovens acusados pergunta sobre a atitude do estado "por que
eles estão fazendo isso?" O outro responde "não é o que eles sempre
fazem?"
O título Olhos que Condenam diz muito sobre o que se passa em todo enredo da
série. O olhar racista da burguesia, do branco sobre o preto. Simplesmente o
poder público decide condenar por estupro e assassinato, crianças/adolescentes,
por dois motivos. Pela cor da pele, pois eram pretos e por conveniência, já que
parece conveniente e rentável para os poderes públicos silenciar, encarcerar e
matar juventudes negras, tanto lá quanto aqui. Se pegar visão nas pesquisas,
logo dá pra ver os dados e os lados dessa história semelhante às favelas,
quilombos, aldeias, entre outros territórios marginalizados do Brasil.
Percebi
que a policia continua sendo o braço governamental
Na
favela dissemina o mal
Com
suas fardas e caveirões
A
serviço daqueles que controlam opiniões,
que
roubam milhões, donos de mansões
Constrói
a riqueza com a fraqueza de multidões
Mv Bill já deu ideia em sua
música Causa e Efeito. Já do lado de
cá da Bahia, ameaçada pela elite que avança destruidora sobre suas terras e
culturas, a Cacica Cátia Tupinambá desabafou para o site
terrasindigenas.org.br, "a cada noite durmo na casa de um parente".
Lembrando as palavras do pensador
Ailton Krenak, no documentário Guerras do
Brasil, sempre estivemos em guerra. A guerra se manifesta de formas diferentes,
de acordo com o lugar e tempo, mas ela não deixa de existir. A gente sabe quem
morre, a gente sabe quem mata.
Este documentário é uma expressão
do que acreditamos. Que é necessário que o gueto conte o seu lado da história e
encontrar pessoas que acreditem nessa urgência e viabilizem nossas narrativas é
o que nutre nossas esperanças de mudança. Somente nossas afirmações podem
combater acusações e ações racistas que continuam nos condenando com seus
olhares famintos por nossas vidas e liberdades.
Dados do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, edição 2020.
Negros no primeiro semestre são:
74,4% das vítimas de violência letal;
55,8% mortos por latrocínio;
79,1% vítima de intervenção
policial;
65,1% dos policiais assassinados;
66,6% vítimas do feminicídio;
75% das crianças e adolescentes
vítimas de violência;
66,7% dos presos.
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
Produção:
Davi Bahia @odavibahia
Natureza França @mae_natureza_
Adailton Paz @Dai_paaz
Edição de imagem:
Pólen Acácio @pivetedomato
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